Setor reuniu-se em Lisboa e debateu pobreza e exclusão social (Focus Social, 1/12/2016)
PRESIDENTE DA REPÚBLICA ESTEVE NO ENCERRAMENTO
"O país precisa de uma nova cultura cívica que veja no combate à pobreza um desafio nacional", disse o presidente da República Portuguesa, acrescentando que "a pobreza é, na sociedade portuguesa, um problema estrutural", com "inúmeras causas", algumas das quais "mais antigas", que exigem "respostas estruturais e não conjunturais". Marcelo Rebelo de Sousa, proferiu as suas declarações no encerramento do seminário 'Lutar contra a Pobreza: a realidade e as propostas do setor social em Portugal', encontro cuja realização sugeriu aquando da audiência conjunta que concedeu, no passado dia 1 de agosto, a diversas organizações não-governamentais, nomeadamente à EAPN Portugal.
O presidente da República Portuguesa disse, ainda, que a luta contra a pobreza e as desigualdades constituem um combate de vida, que nem sempre é fácil, tendo de ser efetuado, simultaneamente, no plano das ideias e no terreno, procurando um consenso nacional. As mudanças das últimas décadas e as "sucessivas crises", precisou o chefe de Estado, provocaram uma acumulação de "camadas de pobreza", alertando para as "limitações" de visões "juridiscistas" no combate às desigualdades na sociedade.
O padre Jardim Moreira, presidente da EAPN Portugal disse aos jornalistas que "não tem havido vontade política para enfrentar a pobreza", num "desígnio nacional".
"Cremos que o facto de Marcelo Rebelo de Sousa se aliara nós, no final do debate, e ouvir as conclusões desta jornada de trabalho, revela bem o interesse do senhor presidente da República nesta causa que terá de mobilizar o país numa luta séria e afincada", disse Sandra Araújo, diretora executiva da EAPN Portugal, organização não-governamental que, com outras entidades e por indicação do Presidente da República, organizou o seminário que decorreu no Auditório CGD do ISEG, em Lisboa.
A iniciativa acontece no âmbito do grupo de trabalho "Para uma Estratégia Nacional de Luta Contra a Pobreza" que congrega diversos especialistas nesta matéria e que, aliás, já deu origem a uma publicação com o mesmo nome, onde estão reunidas as principais propostas de ação para que tal aconteça. " Não podemos baixar os braços e precisamos que o debate seja acutilante e sempre atual. Por isso nos propomos, amiúde, reunir as instituições que, como nós, estão empenhadas em erradicar a pobreza e a exclusão social" diz Sandra Araújo, acrescentando que a abertura da conferência a cargo do professor Carlos Farinha Rodrigues deixou, mais uma vez, o enquadramento que precisamos para apontar caminhos de ação.
O evento reuniu, entre outras entidades e personalidades, a Cáritas Portuguesa, União das Mutualidades, Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade e Rede ANIMAR, que trabalham no sector, com o propósito de debater os principais problemas que afetam o país, procurando traçar cenários futuros que perspetivem a erradicação da pobreza. A professora Ana Cardoso deu conta das conclusões do encontro moderado pela jornalista Graça Franco.
CONCLUSÕES DO SEMINÁRIO: LUTAR CONTRA A POBREZA A REALIDADE E AS PROPOSTAS DO SECTOR SOCIAL EM PORTUGAL
Por Ana Cardoso, socióloga e professora universitária
A conferência de abertura do Prof. Carlos Farinha e as intervenções do painel traçaram já um diagnóstico preciso da realidade da pobreza em Portugal. Neste comentário final gostaria de salientar alguns dos aspetos aqui referidos.
Em primeiro lugar, importa reconhecer que Portugal sempre foi um país onde a pobreza, na sua dimensão monetária, teve uma importante expressão quantitativa. No entanto, como referido, a crise financeira e económica conduziu a um aumento da taxa de pobreza, transformando-se, assim, numa crise também social. Os números indicam que a taxa de pobreza (considerando rendimentos de 2014) era de 19,5%, o que significa que a pobreza atinge mais de 2 milhões de pessoas. Falo aqui em taxa de pobreza, e não em taxa de risco de pobreza, terminologia usada na nomenclatura oficial, para acentuar o facto de que, efetivamente, estas pessoas vivem já em contextos de pobreza. Para estes mais de 2 milhões de cidadãos e cidadãs, a pobreza não é um algo que pode vir a concretizar-se é, sim, uma experiência que já estão vivendo decorrendo daí, como facilmente se pode compreender, riscos de múltipla natureza.
Com a crise a intensidade da pobreza acentuou-se. E este foi um outro aspeto aqui focado. Tal significa que a `pobreza empobreceu', ou seja as pessoas pobres vivem atualmente em condições mais severas do que as experimentadas em anos anteriores.
Uma terceira questão que gostava de salientar prende-se com o aumento das taxas de pobreza entre as crianças. Esta é uma pobreza que é, antes de mais, a pobreza das famílias em que as crianças se inserem e os números dizem que 449 milhões de crianças portuguesas se inserem em agregados domésticos cujos rendimentos (por adulto equivalente) se situam abaixo do limiar de pobreza. Note-se que o Parlamento aprovou, este ano, uma resolução (179/2016) que recomenda a adoção de medidas de combate à pobreza infantil.
Queria ainda relembrar alguns elementos de caracterização da população pobre apresentados hoje:
- 54,2% das pessoas pobres são do sexo feminino, lembrando-nos que a pobreza é uma realidade feminizada;
- 37% das pessoas em situação de pobreza inserem-se em famílias com intensidade de trabalho reduzido ou muito reduzido, enunciando-se o emprego (ou melhor, a sua ausência) como um fator determinante da pobreza.
Finalmente, permitam-me chamar a atenção para as limitações que se colocam às análises e aos estudos sobre a pobreza, com base em estatísticas que apresentam sempre um atraso temporal, inviabilizando uma análise rigorosa da atualidade e limitando as análises do impacto de certas medidas de política.
Por outro lado, e como foi dito aqui, existem 'zonas de sombra' na produção das estatísticas oficiais limitando o conhecimento de certos grupos (pessoas sem abrigo, pessoas institucionalizadas, pessoas com deficiência...) ou de certas situações. Não temos, por exemplo, uma noção real do impacto da crise entre as pessoas mais velhas nos muitos casos em que a crise conduziu a uma partilha dos rendimentos dessas pessoas com outros elementos que não coabitam tornando-as o suporte financeiro de outros agregados. Também não existe uma visão dinâmica do fenómeno da pobreza, de modo a ser possível compreender os processos de entrada e, sobretudo, os processos de saída da pobreza e seus fatores determinantes.
Foram apontadas algumas das causas (estruturais) para a pobreza em Portugal:
- Um sistema de proteção com debilidades.
- Uma desigual distribuição de recursos. Entenda-se recursos numa perspetiva alargada onde-a capacidade de se fazer ouvir deve ser considerada como tal. Lembrando o Prof. Alfredo Bruto da Costa a pessoa pobre está também, como frequência, numa condição em que a sua voz não é ouvida e numa posição em que os recursos disponíveis podem não ser rentabilizados. Mas os recursos são também os rendimentos e a este propósito não posso deixar de salientar o aumento da percentagem das pessoas que, ainda que trabalhando, são, contudo, pobres. Na medida em que sé falou aqui da responsabilidade social das empresas parece-me pertinente explicitar que, em minha opinião, a responsabilidade social das empresas deve ser, antes de mais, uma responsabilidade social interna, ou seja para com os seus trabalhadores e trabalhadoras.
- A persistência de uma desigualdade de género que atravessa a sociedade em várias das suas dimensões e que conduz, nomeadamente, à já referida feminização da pobreza.
- Um sistema educativo onde o sucesso escolar contínua a ser socialmente seletivo; um sistema educativo onde ainda acontece a estigmatização de alguns alunos e alunas em função da sua área de residência ou da sua pertença étnica, por exemplo.
- Uma sociedade com uma fraca consciência social onde a pobreza continua a ser entendida como culpa dos próprios pobres.
O combate à pobreza com vista à sua erradicação não é fácil, mas tendo em conta o que hoje foi dito aqui há alguns princípios nesse mesmo combate que precisam de ser enunciados:
- Ainda que a assistência possa ser necessária, e fundamental em alguns casos, a pobreza não se combate com medidas assistencialistas que não têm em conta a dignidade da pessoa humana e a sua necessidade de autonomia.
- A pobreza não se combate com projetos nem com uma descontinuidade nas/das políticas.
- Para o combate à pobreza exigem-se políticas públicas integradas e coerentes e não unicamente políticas sociais.
- Exigem-se políticas universais e algumas políticas seletivas que atendam especificamente às necessidades especiais de certos grupos.
Mas para o combate à pobreza exige-se, fundamentalmente, vontade política e capacidade para se promover o debate sobre que sociedade queremos e qual o verdadeiro significado do bem-comum e de uma sociedade que respeita e promove os direitos humanos.