Quem quer namorar com o agricultor (Gazeta da Beira, 4/5/2019)
Esta semana vi pela primeira vez o programa da SIC “Quem quer namorar com o agricultor”. Já tinha lido várias opiniões sobre o programa, todas elas numa abordagem feminista com a qual me identifico. Mas o programa é muito pior do que eu imaginava, trata-se de um programa que trata as mulheres como animais que se destinam a concurso pecuário e os agricultores como estereótipos de gente desqualificada a viver num passado que já não existe.
Este programa da SIC é pois um insulto à dignidade e à inteligência das mulheres e um insulto aos agricultores e às agricultoras, na medida em que é um insulto a uma profissão, exercida por homens e por mulheres, mas sobretudo a um status social que está a ser estigmatizada pela SIC.
A opção por este tipo de programas revela um profundo desconhecimento do país que, apesar das desigualdades territoriais e sociais, tem hoje explorações agrícolas ao nível da inovação capazes de competir com as melhores da Europa. Recentemente, tive oportunidade de visitar uma exploração que é considerada a melhor da Europa ao nível da digitalização e da prática da agricultura de precisão. A sustentabilidade económica e ambiental é prática assumida nesta exploração que acolhe projectos de investigação em parceria com as melhores universidades europeias e com organizações ambientalistas. Ali se realizam teses de mestrado, doutoramentos e pós-doutoramentos. “A minha ambição é transformar esta quinta numa universidade a céu aberto”, confessa o agricultor.
É certo que este tipo de agricultura coexiste no tempo e no território nacional com outras tipologias que recorrem a formas menos avançadas do ponto de vista tecnológico e com menor intensificação de conhecimento. Muitas destas, as mais pequenas, têm vindo a desaparecer a um ritmo de cerca de 4 mil por ano. O desaparecimento destas explorações corresponde a uma enorme perda de biodiversidade, à falta de gestão do território e contribui para o despovoamento das regiões do interior.
O perfil dos novos agricultores corresponde a gente culta, informada e com elevados níveis de qualificações académicas, muitos deles são licenciados. É um estudo que se devia fazer, caracterizar o perfil dos novos agricultores, o que seria útil para melhor desenhar as políticas que lhes são dirigidas, bem como pensar melhor em políticas inovadoras para o desenvolvimento dos territórios rurais, sobretudo os do interior norte e centro e serra Algarvia.
O programa é um lamentável exercício de desqualificação da vida social dos agricultores e das suas famílias.
Portanto, o desafio que aqui deixo à SIC é que acabe rapidamente com este programa e se dedique, uma vez que quer mostrar vidas, a mostrar histórias de vida de agricultores e de agricultoras que merecem ser contadas. E há muitas, há muitas histórias que merecem ser contadas porque são exemplos a serem seguidos.
Maria do Carmo Bica