Dia da Mulher utilizado para "abrir mentalidades" (Notícias da Covilhã, 14/3/2019)
Na rua, para tentar chegar a mais gente e fazer mais pessoas questionarem-se sobre as desigualdades de género, foi como foi celebrado o Dia Internacional da Mulher na Covilhã e no Fundão, pelo núcleo da Cova da Beira da Rede 8 de Março, movimento que congrega organizações, forças partidárias e pessoas a título individual.
"As acções no espaço público têm essa vantagem, de permitir alargar o leque de pessoas que discutem estes temas. As que decorrem em espaço fechado acabam por atrair sobretudo as pessoas que já estão mais sensibilizadas para estas temáticas. Vimos para o espaço público abrir mentalidades", enfatiza Graça Rojão, directora da Coolabora, uma das entidades envolvidas na organização da Rede 8 de Março, que promoveu a primeira greve feminista em Portugal.
Ao final da tarde, meia centena de pessoas percorreu o Roteiro das Estátuas na cidade, onde a mulher apenas surge no papel de figura maternal. Nessas foi colocado um letreiro onde se lia "Eu estou em greve" e nas figuras masculinas, quase todas, era colocado um simbólico avental e um cartaz a dizer "Eu apoio a greve feminista", ao mesmo tempo que se evocavam os princípios que estão na base do movimento, que visa a conquista real de oportunidades e direitos iguais para homens e mulheres.
"Queremos que as pessoas pensem se em quase 150 anos de cidade nunca houve nenhuma mulher que merecesse ser homenageada", explica Elisa Bogalheiro, outra das organizadoras. "E impossível que na nossa cidade nunca tenha havido numa mulher notável que justifique ter uma estátua ou ter o seu nome numa rua. Queremos chamar a atenção para a invisibilidade permanente daquilo que é um esforço das mulheres", acrescenta Graça Rojão.
Carmo Póvoas, outra das dinamizadoras da iniciativa, sublinha que o avental é figurativo e também uma provocação, no sentido de, "para neste dia as mulheres fazerem greve, os homens terem de colaborar, porque esta não é uma causa de mulheres ou de homens, é uma causa de todos".
Rui Marques, covilhanense de 68 anos, associou-se às comemorações do Dia Internacional da Mulher, por entender que as assimetrias de género são uma injustiça e porque "a liberdade e a igualdade não devem ter sexo, devem estar ao alcance de todos".
Rafael Mendes, 19 anos, foi outro dos muitos homens presentes, porque "nascemos todos iguais em direitos e deveres e todos temos o direito a não ser discriminados". O estudante juntou-se também ao gruo porque acha "incrível a quantidade de mulheres assassinadas, 13 em apenas dois meses, pelos seus companheiros que dizem amá-las".
Mulheres ganham menos 16% e trabalham o dobro em casa
O que motivou Mafalda Pessoa, 24 anos, estudante ria UBI, a sair à rua foi "a injustiça cometida em relação às mulheres desde o início dos tempos e o querer ajudar a mudar mentalidades para melhorar a vida de todos".
"Ninguém está aqui para deitar abaixo os homens, mas para fortalecer as mulheres", acrescenta.
Quando se refere a injustiças, refere-se aos menos 16 % que as mulheres ganham em relação aos homens, o que corresponde a menos 58 dias de trabalho, ao dobro das horas despendidas em tarefas familiares e domésticas, que são trabalho não pago, ao serem a maior parcela dos portugueses a ganharem o salário mínimo e quem está em maior risco de pobreza, quem tem trabalhos mais precários, quem tem maior dificuldade em chegar a cargos de chefia, além de em idade mais avançada terem reformas mais baixas.
Por outro lado, o tempo absorvido pelas tarefas domésticas, que continuam a recair sobretudo nas mulheres e ainda não são partilhadas de forma equilibrada, retiram-lhes tempo para o lazer, para a participação cívica, para aumentar a sua presença no espaço público.
Estátua da mulher invisível
Num dia que Carmo Póvoas salienta ser "de luta", no final do roteiro foi "construída" uma estátua com mensagens dos participantes. "E a nossa própria estátua, da mulher invisível", ironiza Carmo Póvoas. "E uma homenagem a todas as mulheres significativas em várias áreas", vinca.
Rui Lino, dirigente do Bloco de Esquerda, justifica o seu envolvimento no movimento por os valores irem ao encontro do que defendem os bloquistas. "Faz parte dos princípios que nós defendemos, as questões da Igualdade, de colocar as mulheres e os homens no mesmo patamar, seja a nível do trabalho remunerado, seja a nível do trabalho não remunerado. Faz todo o sentido, por uma questão de coerência, e nós estarmos associado a esta greve", frisa o militante do núcleo da Covilhã.
ARR
"Feminismo não é o contrário de machismo"
“O feminismo não é o contrário de machismo", reforça Carmo Póvoas, que nota existir uma conotação negativa da palavra "por desconhecimento". Não é um machismo invertido, porque o machismo parte do pressuposto de que o homem é dominante e o feminismo e a defesa da igualdade de direitos e oportunidades para homens e mulheres, sem hierarquias de género.
Elisa Bogalheiro está convencida de que a deturpação do conceito pode ter afastado pessoas da iniciativa. "Há quem ache que uma feminista é uma radical furiosa. Sempre que temos a oportunidade de pegar neste assunto, temos a oportunidade de desconstruir conceitos", refere.